A cidade onde os sinos contam histórias que o tempo não apagou
Em São João del Rei, os sinos têm uma linguagem própria. Descubra o que fazer, das igrejas históricas ao passeio de Maria Fumaça, nesta cidade mineira
m São João del Rei em Minas Gerais, o ar não é cortado apenas pelo vento das montanhas, mas por uma linguagem única que ecoa dos campanários. Mais do que marcar as horas, os sinos desta cidade histórica conversam, anunciam missas, celebram festas e até choram a morte de seus filhos. É um lugar onde a história não está apenas nas pedras, mas flutua no ar, convidando a uma audição atenta.
Aprenda a decifrar a "Linguagem dos Sinos", um patrimônio cultural.
Viaje no tempo no famoso passeio de Maria Fumaça até Tiradentes.
Explore igrejas monumentais, como a Matriz do Pilar e São Francisco de Assis.
Por que os sinos de São João del Rei falam uma língua própria?
A primeira coisa que um visitante atento percebe é que os sinos não tocam de forma aleatória. A cidade é o berço da "Linguagem dos Sinos", uma tradição secular tão importante que foi reconhecida pelo IPHAN como Patrimônio Imaterial do Brasil. Essa linguagem é um código complexo de "dobres" e "repiques" executados manualmente pelos sineiros, que transformam os campanários em instrumentos de comunicação social.
Essa tradição é mantida viva por associações de sineiros, muitas vezes com conhecimento passado de pai para filho. Eles são os verdadeiros guardiões dessa herança, capazes de informar a toda a cidade, apenas pelo som, qual ritual está para acontecer, de qual irmandade é a festa ou até mesmo quem da comunidade faleceu, com toques fúnebres específicos para homens, mulheres ou crianças.
Um Centro Histórico dividido por um rio e unido pela história
Diferente de suas vizinhas mais compactas, São João del Rei é uma cidade histórica de porte maior, com uma vida urbana vibrante que se mistura ao patrimônio. O centro é cortado pelo Córrego do Lenheiro, que separa os dois lados da cidade, conectados por belas pontes de pedra, como a Ponte da Cadeia e a Ponte do Rosário. Essa geografia convida a longas caminhadas de descoberta.
É uma cidade para ser explorada a pé, mas prepare-se: as ladeiras são uma constante. Cada subida revela um novo ângulo do casario colonial, uma nova torre de igreja ou uma vista panorâmica. A cidade não se entrega de uma só vez; ela exige que o viajante se perca por suas ruas de calçamento irregular para encontrar seus segredos mais bem guardados.
Quais são as igrejas que você não pode deixar de visitar?
A riqueza gerada pelo ciclo do ouro está materializada nos templos religiosos da cidade. A arquitetura e a arte sacra de São João del Rei em Minas Gerais estão entre as mais expressivas do estado, e visitar suas igrejas é fundamental para entender a história local.
Um roteiro básico pelas igrejas inclui:
Matriz do Pilar: Construção do século XVIII, com um interior deslumbrante, totalmente coberto em ouro, considerado um dos expoentes do barroco mineiro.
São Francisco de Assis: Famosa pela fachada atribuída a Aleijadinho e pela imponente palmeira imperial em seu adro. É o cartão-postal da cidade.
Nossa Senhora do Carmo: Templo de grande beleza, com rica talha dourada e um impressionante órgão de tubos em seu coro.
Nossa Senhora do Rosário: Uma das mais antigas da cidade, historicamente ligada às irmandades de negros, com uma arquitetura mais primitiva e cheia de significado.
Nossa Senhora das Mercês: Situada em um ponto elevado, é conhecida por seus rituais e procissões tradicionais, especialmente na Semana Santa.
Como a "guerra" de sinos moldou as tradições da cidade?
A intensidade da vida religiosa e cultural de São João del Rei se deve, em grande parte, a uma rivalidade histórica entre suas irmandades, especialmente as Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Carmo. Durante séculos, elas "competiram" para ver quem promovia as festas mais bonitas, quem tinha os melhores músicos e, claro, quem tinha os sinos mais potentes e os sineiros mais habilidosos.
Essa "guerra santa" pacífica, impulsionada pela vaidade e pela devoção, resultou em um legado cultural riquíssimo. A Semana Santa da cidade é uma das mais famosas do Brasil, com procissões complexas, encenações barrocas e uma trilha sonora executada por orquestras centenárias, como a Lira Sanjoanense e a Ribeiro Bastos, frutos diretos dessa competição histórica.
A Rota do Trem: O passeio de Maria Fumaça até Tiradentes
Uma das experiências turísticas mais procuradas em Minas Gerais é o passeio de trem entre São João del Rei em Minas Gerais e Tiradentes. Trata-se de uma das poucas locomotivas a vapor ainda em operação no Brasil, percorrendo um trecho de 12 quilômetros da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, inaugurada em 1881 com a presença de Dom Pedro II.
O trajeto é uma viagem nostálgica que dura cerca de 40 minutos, margeando o Rio das Mortes e oferecendo belas vistas da Serra de São José. A própria estação ferroviária de São João del Rei é uma atração, abrigando o Museu Ferroviário, que conta a história dessa importante rota e exibe locomotivas e peças antigas.
O que você precisa saber antes de embarcar?
Para garantir que o passeio de Maria Fumaça seja uma boa experiência, é fundamental se planejar, pois os ingressos são muito disputados.
Planeje seu passeio de trem:
Compre ingressos pela internet.
Faça a compra com bastante antecedência, especialmente em feriados.
Verifique os dias de operação (geralmente de quinta a domingo).
Prefira o lado direito do trem (indo de SJDR para Tiradentes) para ver o rio.
Considere comprar só a ida e voltar de táxi ou aplicativo para ter mais flexibilidade.
Chegue cedo para fotografar a locomotiva e visitar o museu.
O bilhete dá direito a visitar o Museu Ferroviário.
Qual a ligação de São João del Rei com a história política do Brasil?
A cidade não vive apenas do passado colonial; ela é também um ponto vital da história republicana do Brasil. Foi em São João del Rei em Minas Gerais que nasceu o presidente Tancredo de Almeida Neves. A figura de Tancredo é onipresente na cidade, e sua trajetória política, que culminou na transição para a democracia, é um orgulho local.
O Memorial Tancredo Neves, localizado no centro, é uma visita importante para entender a história recente do país. Além disso, o funeral do presidente, em 1985, foi um dos momentos mais marcantes da história da cidade, e os sinos, claro, tiveram um papel central, com o toque fúnebre "Dobre Finado" ecoando por horas e sendo transmitido para todo o país.
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Um convite para ouvir a cidade
São João del Rei em Minas Gerais é um destino denso, que exige mais do que um bate-volta apressado. É uma cidade que precisa ser não apenas vista, mas ouvida. O dobrar dos sinos não é um barulho de fundo; é a trilha sonora da história, a pulsação de uma cultura que se recusa a ser silenciada pelo tempo.
Para o viajante que busca mais do que belas fotos, a cidade oferece uma imersão profunda na alma mineira. Dedique um tempo para simplesmente sentar na praça e escutar. Você pode não entender o código de imediato, mas certamente sentirá que, ali, o passado ainda tem muito a dizer.
Sobre o autor:
Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.
São João del Rei/MG - Foto: Igor Souza