A história curiosa por trás do título de Capital Nacional do Rocambole
Como Lagoa Dourada, em MG, se tornou a Capital Nacional do Rocambole? Conheça a história curiosa de um imigrante e uma receita que definiram uma cidade
Em meio às montanhas históricas do Campo das Vertentes, numa região marcada pelo ciclo do ouro e pela Estrada Real, uma pequena cidade mineira encontrou sua identidade não nas pedras, mas na delicadeza de um doce. Lagoa Dourada, um município que serve como um elo vital entre São João del-Rei e Belo Horizonte, conquistou uma fama que ultrapassa as fronteiras do estado. Ela é, por direito e agora por lei, a Capital Nacional do Rocambole, e a história por trás desse título é uma fascinante crônica de imigração, acaso e muito sabor.
A origem da receita, trazida por um imigrante sírio-libanês.
A localização geográfica que transformou o doce em parada obrigatória.
O reconhecimento oficial através de Lei Federal em 2023.
Como um imigrante sírio-libanês mudou o destino da cidade?
A história do rocambole em Lagoa Dourada não começa em um convento português ou em uma fazenda de cana-de-açúcar, mas sim no início do século XX, com a chegada de um imigrante. Miguel Youssef, vindo da Síria (outros relatos apontam Líbano, uma região próxima), desembarcou na cidade e trouxe consigo não apenas a esperança de uma nova vida, mas uma receita de família para um bolo enrolado, leve e saboroso.
Ele não inventou o "bolo de rolo" (como o pão-de-ló enrolado é conhecido em várias culturas, a exemplo do Swiss Roll europeu), mas adaptou uma receita que se tornou única. O segredo estava na massa: aerada, fofa, feita com muitos ovos e sem fermento, que resultava em uma textura incomparável. Seu filho, Elias Youssef, deu continuidade ao legado e fundou a confeitaria "Rocambole M. Youssef", que se tornou o marco zero e a referência de qualidade, mantendo a tradição que colocou a cidade no mapa.
O que torna o rocambole de Lagoa Dourada diferente?
Quem prova o legítimo rocambole de Lagoa Dourada percebe imediatamente que não se trata de um bolo comum. A grande diferença em relação a outras variedades, como o bolo de rolo pernambucano (que é feito de múltiplas camadas finíssimas), é que o mineiro é feito de uma única e generosa fatia de pão-de-ló. Esta massa é assada em uma folha fina, mas sua estrutura é incrivelmente leve e elástica, permitindo que seja enrolada sem quebrar.
O recheio clássico e mais procurado é o de doce de leite, que em Minas Gerais atinge um nível de excelência, mas a goiabada também tem seu lugar de destaque. Hoje, as confeitarias locais diversificaram, mas a base do sucesso permanece a mesma. A leveza da massa equilibra a doçura do recheio, fazendo com que o doce não seja enjoativo e se torne a companhia perfeita para o café da tarde.
A tradição do rocambole se expandiu, mas os sabores clássicos ainda reinam:
Doce de leite (o carro-chefe)
Goiabada cascão
Doce de coco
Chocolate
Nozes
Leite condensado cozido
Por que a fama do doce explodiu em Minas Gerais?
A qualidade da receita de Miguel Youssef é inquestionável, mas ela sozinha não explica como a cidade inteira se tornou sinônimo do produto. O segundo pilar dessa história é a geografia. Lagoa Dourada está situada em um entroncamento logístico fundamental, um ponto de passagem histórico que conecta a BR-040 (que liga BH ao Rio de Janeiro) à BR-383, o caminho para as cidades históricas de São João del-Rei e Tiradentes.
Durante décadas, antes das rodovias duplicadas e das viagens rápidas, Lagoa Dourada era a parada obrigatória. Viajantes, comerciantes e turistas paravam na cidade para esticar as pernas, tomar um café e, inevitavelmente, provar o famoso rocambole. O doce, fresco e fácil de transportar em sua caixa retangular, tornou-se o presente ideal, o "souvenir" gastronômico que se levava para casa. A fama de Lagoa Dourada como a Terra do Rocambole foi construída boca a boca, de viajante em viajante.
Como Lagoa Dourada se tornou, oficialmente, a Capital Nacional?
O título, que por décadas foi popular, tornou-se oficial recentemente, consolidando o notório saber da cidade. Em 4 de abril de 2023, foi sancionada a Lei Federal nº 14.546, que confere ao município de Lagoa Dourada, em Minas Gerais, o título de "Capital Nacional do Rocambole". Este reconhecimento não é apenas simbólico; ele protege a identidade cultural da cidade e celebra uma tradição que já ultrapassa um século.
A lei foi o ápice de um movimento local que reconheceu o doce como o principal motor econômico e turístico do município. O rocambole não é apenas uma sobremesa em Lagoa Dourada; é o principal produto de exportação, a fonte de renda de dezenas de famílias e o maior atrativo da cidade. O título oficializou o que o Brasil inteiro já sabia: o melhor rocambole se encontra ali.
A cidade que respira o rocambole
Visitar Lagoa Dourada hoje é fazer uma imersão na cultura do doce. A avenida principal da cidade é ladeada por confeitarias e "rocambolarias", cada uma com sua variação da receita, embora a tradição da família Youssef ainda seja a mais procurada. A produção é intensa, especialmente nos fins de semana e feriados, quando longas filas se formam de turistas buscando levar para casa a iguaria fresca, muitas vezes ainda morna.
A cidade soube capitalizar sua fama e criou um polo gastronômico em torno de seu produto estrela. O rocambole define o ritmo da economia local e é o orgulho da população. É um caso raro e bem-sucedido de como um único produto, aperfeiçoado pela tradição, pode se tornar a identidade completa de um município.
O impacto do doce na cidade é visível em toda parte:
Geração de dezenas de empregos diretos nas confeitarias.
Movimentação do turismo de passagem.
Realização de festivais gastronômicos focados no produto.
Abertura de novos negócios (cafeterias, lanchonetes).
O orgulho dos moradores pela fama da cidade.
A manutenção de uma receita centenária.
O fluxo constante de ônibus de excursão.
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O sabor da identidade
A história de Lagoa Dourada como a Capital Nacional do Rocambole em Minas Gerais é uma bela metáfora sobre a identidade mineira. É um conto que começa com a hospitalidade a um imigrante, que em troca, oferece o seu bem mais precioso: uma receita. É a prova de que a riqueza de uma região nem sempre está no subsolo, como o ouro que tanto se buscou na Estrada Real, mas pode estar no saber-fazer de sua gente.
Mais do que um título, o rocambole é o passaporte de Lagoa Dourada. Ele transformou uma simples cidade de passagem em um destino cobiçado. A visita vale não apenas pela experiência de provar o doce em seu berço, mas pela lição de como a perseverança, a qualidade e um toque de acaso geográfico podem transformar um simples pão-de-ló enrolado no maior símbolo de uma comunidade.
Sobre o autor:
Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.


Lagoa Dourada/MG - Foto: Igor Souza


