A história de Belo Horizonte que não aparece nos livros de escola
Descubra a história de Belo Horizonte que não aparece nos livros escolares e compreenda como a capital mineira guarda memórias surpreendentes
Quando se fala em Belo Horizonte, muitos lembram da Pampulha, da Praça da Liberdade ou do Mercado Central. Mas a capital de Minas Gerais guarda episódios pouco comentados que não chegam aos manuais escolares. São memórias que envolvem o antigo Curral del-Rei, as remoções para erguer a nova capital e as contradições de um projeto urbano ousado.
O passado do Curral del-Rei ainda ecoa na identidade da cidade.
O plano urbanístico de Aarão Reis transformou o território em capital planejada.
A memória popular preserva aspectos que os livros oficiais quase não relatam.
Por que a história de BH vai além da versão oficial?
A narrativa escolar sobre Belo Horizonte costuma ser resumida: a cidade planejada que substituiu Ouro Preto como capital em 1897. Essa versão, embora verdadeira, simplifica um processo complexo que envolveu disputas políticas, deslocamentos sociais e a tentativa de criar uma metrópole moderna em pleno interior de Minas Gerais.
Conhecer essa dimensão esquecida é compreender que BH não nasceu apenas de mapas e decretos. Sua história foi marcada por escolhas que afetaram milhares de pessoas e que moldaram a identidade da cidade até hoje.
O que aconteceu com o Curral del-Rei?
Antes da construção da nova capital, a região era ocupada por um arraial chamado Curral del-Rei. Ali viviam famílias que cultivavam lavouras, criavam gado e mantinham tradições religiosas. Com a decisão de erguer Belo Horizonte, o arraial foi demolido quase por completo, e seus moradores foram transferidos para áreas mais afastadas, como Venda Nova.
Esse episódio raramente aparece em destaque nos livros escolares, mas é essencial para entender a ruptura social provocada pela urbanização. As casas de pau a pique deram lugar a avenidas largas e quarteirões regulares, marcando uma mudança radical no modo de vida local.
Como foi o projeto urbanístico de Aarão Reis?
Aarão Reis, engenheiro responsável pela Comissão Construtora da Nova Capital, inspirou-se em modelos de cidades como Paris e Washington. O traçado previa ruas ortogonais cortadas por avenidas diagonais e uma área central bem definida, cercada pela Avenida do Contorno.
Esse planejamento dividia a cidade em três zonas: a urbana, com edifícios públicos e comércio; a suburbana, para expansão futura; e a rural, destinada a colônias agrícolas que abasteceriam a capital. Embora inovador, o projeto não considerou as consequências sociais da remoção de antigos moradores.
Destaques do traçado original
Quarteirões de 120 x 120 metros.
Avenidas largas, de 20 a 35 metros.
Praça da Liberdade como núcleo político.
Previsão de cinturão agrícola para abastecimento.
A cidade realmente começou pronta?
Um dado pouco mencionado é que Belo Horizonte foi inaugurada ainda inacabada. Muitas obras estavam em andamento em 1897, e os operários que ajudaram a erguer a cidade não foram retirados após a inauguração, como previa o plano. Sem condições de permanecer no centro, muitos formaram favelas em áreas periféricas.
Esse detalhe mostra que a “cidade planejada” conviveu desde o início com contradições entre ordem e improviso. O contraste entre a malha urbana moderna e a realidade das ocupações populares marcou o desenvolvimento posterior da capital.
Quais personagens ficaram à margem dessa narrativa?
Os registros oficiais destacam engenheiros, políticos e governadores, mas pouco se fala dos trabalhadores que construíram a cidade. Pedreiros, carpinteiros e imigrantes tiveram papel fundamental, assim como as famílias removidas do Curral del-Rei.
Essas vozes pouco aparecem nos manuais, mas permanecem vivas em memórias familiares e estudos acadêmicos. Museus como o Histórico Abílio Barreto resgatam parte dessas histórias, mostrando objetos, documentos e fotografias do período.
Como Belo Horizonte se reinventou após a inauguração?
Nas décadas seguintes, a capital passou por mudanças que também ficam de fora da versão escolar. A industrialização entre os anos 1930 e 1940 trouxe crescimento acelerado, ao mesmo tempo em que surgiram marcos arquitetônicos como o Conjunto da Pampulha, encomendado por Juscelino Kubitschek.
Essas transformações fizeram BH extrapolar rapidamente o planejamento inicial. O limite populacional previsto foi superado em poucas décadas, e a cidade precisou se adaptar a um crescimento desordenado.
Onde ainda é possível ver vestígios dessa história não contada?
Apesar da transformação urbana, alguns locais preservam memórias do período anterior e dos primeiros anos da capital.
Locais de memória em Belo Horizonte
Museu Histórico Abílio Barreto – preserva o antigo casarão do Curral del-Rei.
Praça da Liberdade – símbolo do poder republicano e hoje centro cultural.
Bairros Lagoinha e Santa Tereza – guardam tradições ligadas a antigos moradores e imigrantes.
Esses espaços oferecem uma visão mais completa da formação de Belo Horizonte, revelando aspectos que não aparecem em narrativas simplificadas.
A história recente também é pouco lembrada?
Além do período da fundação, episódios do século XX também são pouco explorados nos livros escolares. A visita do Papa João Paulo II em 1980 à Praça do Papa, por exemplo, marcou a cidade com forte simbolismo religioso. Outro marco foi a degradação da Lagoa da Pampulha, que exigiu esforços posteriores de recuperação ambiental.
Esses momentos mostram como Belo Horizonte continua a escrever sua história de forma dinâmica, enfrentando desafios e se reinventando a cada década.
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Por que olhar para a história não contada de BH?
A história de Belo Horizonte vai muito além da versão resumida apresentada nas salas de aula. Entender o desaparecimento do Curral del-Rei, o impacto social das remoções e as contradições do planejamento urbano é essencial para compreender a capital mineira em sua totalidade.
Conhecer essa dimensão é também valorizar a memória de quem ajudou a construir a cidade, mas não foi registrado nos livros. Ao visitar Belo Horizonte, em Minas Gerais, o viajante tem a chance de redescobrir essas histórias em praças, museus e bairros tradicionais.
Mais do que um roteiro turístico, é um convite a enxergar a capital mineira em profundidade: uma cidade feita de memórias, contradições e reinvenções, que continua a revelar capítulos esquecidos de sua própria trajetória.
Sobre o autor:
Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.


Belo Horizonte/MG - Foto: Igor Souza