Descoberta revela o que torna Congonhas única entre as cidades históricas

Vá além de Ouro Preto: Congonhas revela o drama e a genialidade de Aleijadinho em seu auge. Descubra esse Patrimônio Mundial

Escrito por:
Igor Souza

Publicado em:
05/12/2025

Quando se viaja pelo Circuito do Ouro, é comum se impressionar com a escala urbana de Ouro Preto ou a formalidade de Mariana. Mas há uma cidade que, embora igualmente rica em história, guarda uma singularidade que a define: Congonhas. A grande "descoberta" para o viajante moderno não é uma nova ruína, mas a constatação de que Congonhas não foi erguida pela ambição coletiva do ouro, mas sim pela devoção obstinada de um único homem, um ato de fé que culminou na maior obra de Aleijadinho.

  • O Santuário como a obra-prima de Aleijinho

  • A origem na promessa de Feliciano Mendes

  • A diferença de um monumento de fé

Por que Congonhas é tão diferente de Ouro Preto e Mariana?

A experiência de visitar Congonhas em Minas Gerais é fundamentalmente distinta. Ouro Preto e Mariana são cidades que nasceram da febre do ouro, vastos cenários urbanos onde as ricas Irmandades (Ordens Terceiras) competiam entre si para construir as igrejas mais opulentas. Elas são tapeçarias complexas de poder, administração e riqueza, onde o patrimônio se espalha por dezenas de ladeiras, chafarizes e palácios.

Congonhas, por outro lado, é um monumento-cidade. Embora tenha um centro histórico charmoso, sua identidade global e sua razão de existir estão concentradas em um único e espetacular complexo religioso no topo de uma colina: o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. A cidade não cresceu para o santuário; ela cresceu por causa dele. Sua vocação não era a administração, mas a peregrinação.

A Descoberta: A Fé de um Homem, Não a Febre do Ouro

Aqui reside a descoberta que torna Congonhas única. O Santuário não foi encomendado pela Coroa Portuguesa ou por uma poderosa irmandade. A história começa em meados do século XVIII com Feliciano Mendes, um imigrante português que, como tantos outros, adoeceu gravemente após trabalhar nas duras condições da mineração. Desenganado, ele fez uma promessa ao Bom Jesus de Matosinhos, uma devoção de sua terra natal.

Ao se recuperar, Feliciano dedicou o resto de sua vida e toda a sua fortuna a cumprir o voto: erguer um templo magnífico em devoção à sua cura. A partir de 1757, ele iniciou as obras no Morro do Maranhão, um local ermo. O que vemos hoje é o resultado do fervor pessoal de um homem, um monumento que não nasceu da ganância pelo ouro, mas da gratidão pela vida.

Como Aleijadinho entrou para a história?

Feliciano Mendes morreu em 1765, deixando sua obra em andamento, mas a força de sua devoção já havia contagiado a região. A Irmandade do Bom Jesus de Matosinhos assumiu a tarefa de concluir o complexo. Foi somente décadas depois, já no final do século XVIII, que Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, foi comissionado para criar os elementos que tornariam o santuário mundialmente famoso.

Aleijadinho, já no auge de sua fama e profundamente debilitado pela doença que o deformava, encontrou em Congonhas seu grande "testamento". Entre 1796 e 1805, ele e seu ateliê executaram o conjunto de esculturas que é considerado o ápice do barroco (e início do rococó) nas Américas. É a fusão da promessa de Feliciano com a genialidade de Aleijadinho que torna o lugar tão poderoso.

O que torna o adro dos Profetas uma obra-prima mundial?

O conjunto mais icônico do santuário é o adro (o terraço da igreja), onde estão dispostos os 12 profetas do Antigo Testamento. Esculpidos em pedra-sabão em tamanho natural, eles não são estátuas inertes; são atores em um drama silencioso. Aleijadinho rompeu com a estática europeia e deu a eles movimento, gestos teatrais e uma expressão que captura a essência de suas profecias.

Cada profeta tem uma personalidade única, com barbas, turbantes e vestes esculpidas com uma fluidez que parece impossível para a pedra. Eles dialogam entre si e com o visitante que sobe a escadaria, em uma coreografia de pedra que é única no mundo. O gênio de Aleijadinho foi criar um teatro a céu aberto, usando a topografia da colina como seu palco.

Atributos que definem os Profetas:
  • Esculpidos em pedra-sabão local.

  • Poses dinâmicas e teatrais.

  • Roupagens com dobras complexas (Rococó).

  • Expressões faciais individualizadas e intensas.

  • Disposição cênica no adro.

As Capelas dos Passos: A Emoção em Madeira

Antes mesmo de chegar aos profetas, o peregrino que sobe o morro encontra as seis Capelas dos Passos, que narram a Paixão de Cristo. Dentro delas, Aleijadinho e seu ateliê (com destaque para a pintura de Mestre Ataíde) criaram 64 esculturas em cedro, em tamanho natural. É aqui que a "descoberta" do drama humano de Congonhas se intensifica.

Aleijadinho usou as esculturas para criar uma narrativa didática e profundamente emocional. Os algozes de Cristo (soldados romanos e fariseus) são retratados como caricaturas, com traços grotescos e expressões de maldade. Em contraste, Cristo e os apóstolos são representados com serenidade e tristeza digna. A subida do morro, passando por cada capela, foi projetada para ser uma jornada de meditação e comoção.

Congonhas é apenas o Santuário?

Embora o Santuário seja o motivo da fama internacional de Congonhas em Minas Gerais, a cidade que cresceu em seus vales também tem seu próprio valor histórico. O complexo do Bom Jesus de Matosinhos por muito tempo ofuscou o restante do patrimônio, mas a cidade "de baixo" guarda a memória de sua própria fundação, também ligada à mineração, embora de forma menos central que Ouro Preto.

Para o visitante que decide explorar além do morro, a cidade revela um centro histórico charmoso e vital. A recente criação do Museu de Congonhas, uma instituição moderna e de nível internacional ao lado do santuário, ajudou a contextualizar a obra de Aleijadinho e a história da fé local, tornando-se um ponto de visitação obrigatório que enriquece a compreensão do complexo.

O Legado Além do Morro do Maranhão

No centro da cidade, o viajante encontra a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a igreja mãe da cidade, cuja construção é anterior ao Santuário. É um belo exemplo da primeira fase do barroco mineiro, com altares dourados e uma atmosfera imponente. Próximo a ela, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída pela irmandade dos negros, conta a história da estratificação social da época colonial.

Além das igrejas, Congonhas tem um lado natural que muitos desconhecem, como o Parque da Cachoeira, um refúgio de águas e mata. A cidade também é famosa por sua festa religiosa, o Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos, que ocorre em setembro e atrai milhares de romeiros, mantendo viva a vocação original de Feliciano Mendes: a peregrinação e a fé.

Pontos de interesse além do adro:
  • Museu de Congonhas

  • Igreja Matriz de N.S. da Conceição

  • Igreja de N.S. do Rosário

  • Parque da Cachoeira

  • Museu da Ladeira (arte popular)

+ Leia também: O vilarejo mineiro que surpreende mais que Lavras Novas e Milho Verde

O poder da gratidão

Ouro Preto nos ensina sobre o poder avassalador da ambição e da riqueza. Mariana nos ensina sobre a organização do poder e da Igreja. A descoberta que Congonhas nos revela é diferente: ela nos ensina sobre o poder transformador da gratidão. O maior conjunto de arte barroca das Américas não nasceu de uma ordem real, mas da promessa de um homem que sobreviveu.

Os profetas de pedra, que vigiam a cidade do alto do morro, são os guardiões dessa promessa. Eles não celebram o ouro que foi extraído, mas a fé que foi depositada. Visitar Congonhas é menos uma aula sobre economia colonial e mais uma profunda reflexão sobre como a devoção pessoal pode, literalmente, mover montanhas e inspirar a genialidade humana de forma duradoura.

Sobre o autor:

Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.

Vista externa do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos com céu azul em Congonhas MG
Vista externa do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos com céu azul em Congonhas MG

Congonhas/MG - Foto: Igor Souza

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