O encanto discreto de Sabará que o turismo de massa ainda não descobriu

Descubra Sabará, MG. A poucos km de BH, a cidade esconde a opulenta Igreja do Ó e um teatro do séc. XVIII que o turismo de massa ainda não viu

Escrito por:
Igor Souza

Publicado em:
12/11/2025

A apenas 20 quilômetros da capital, a proximidade com Belo Horizonte é, paradoxalmente, o que faz com que a maioria dos viajantes pense que conhece Sabará. Mas esta, uma das três vilas fundadoras de Minas Gerais, esconde em suas ruas íngremes e no seu cotidiano agitado um conjunto de tesouros artísticos tão raros que chegam a ser únicos no Brasil. Enquanto Ouro Preto se tornou um monumento mundial e Tiradentes um destino boutique, Sabará permaneceu uma cidade viva, cujo encanto discreto guarda segredos que o turismo apressado ainda não descobriu.

  • A singularidade da Igreja de Nossa Senhora do Ó e sua arte oriental.

  • A história da Casa da Ópera, um dos teatros mais antigos das Américas.

  • O poder histórico da antiga Vila Real, uma das "três grandes" de Minas.

Por que Sabará é frequentemente subestimada?

A primeira razão é a sombra da metrópole. Por estar dentro do "Grande Colar Metropolitano" de Belo Horizonte, Sabará é muitas vezes vista como um passeio de "bate-volta", um destino para uma tarde de domingo. Os visitantes passam, tiram fotos na Matriz, comem no centro e vão embora, sem pernoitar e sem mergulhar nas camadas mais profundas que a cidade oferece. A falta de um "centro histórico" perfeitamente isolado do trânsito moderno, como em Ouro Preto, confunde o turista que busca um cenário.

A segunda razão é a comparação. Sabará não é um museu a céu aberto; é uma cidade funcional, com seus desafios urbanos, comércio intenso e uma vida que não gira exclusivamente em torno do turismo. No entanto, é exatamente essa falta de "maquiagem" que constitui seu charme. O ouro de Sabará não está apenas nos altares, mas na descoberta de suas igrejas escondidas e na sensação de estar em um lugar autêntico, que não se curvou totalmente à lógica do turismo de massa.

O pilar esquecido do Ciclo do Ouro

O que poucos lembram é que Sabará não foi coadjuvante; foi protagonista. Fundada nas margens do Rio das Velhas, um dos rios mais auríferos do Brasil, a "Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabarabuçu" (1711) foi uma das três primeiras e mais poderosas vilas da capitania, ao lado de Vila Rica (Ouro Preto) e Mariana. Ela era um centro administrativo colossal, com sua própria Casa de Intendência e Fundição, para onde escoava todo o ouro de uma vasta região.

Essa riqueza desenfreada financiou uma sociedade complexa e estratificada, que buscava demonstrar seu poder e sua fé através da arte. As igrejas de Sabará, portanto, não são apenas capelas de arraial; são documentos históricos do auge de um poder que rivalizava diretamente com o de Vila Rica. Caminhar por Sabará em Minas Gerais é pisar no epicentro de onde a riqueza que mudou Portugal e o Brasil foi extraída.

Onde se esconde a arte mais singular de Sabará?

Se há um segredo que o turismo de massa ignora, ele se chama Igreja de Nossa Senhora do Ó. Por fora, é uma capela branca e simples, com a fachada de madeira e pedra-sabão. Por dentro, é uma explosão de opulência que não se parece com nada em Ouro Preto. Construída por volta de 1717, ela não representa o Barroco Mineiro que Aleijadinho consagraria décadas depois, mas sim o Barroco Joanino, em seu estilo mais puro e raro, com uma influência oriental (Chinoiserie) que a torna única.

O interior é um pequeno caixão de joias. O ouro abundante é usado em talhas riquíssimas, mas o que choca são os painéis laterais. Pintados em azul, vermelho e dourado, eles trazem figuras, pagodes, pássaros e anjos com traços visivelmente asiáticos. É uma representação direta da rota comercial portuguesa que ligava o Brasil a Macau. Estar dentro da Igreja do Ó é testemunhar uma conexão global do século XVIII, um nível de sofisticação artística que Sabará esconde em plena vista.

A singularidade da Igreja do Ó se revela em detalhes:
  • Ausência de colunas (estilo Joanino).

  • Forro em painéis hexagonais.

  • Figuras de anjos com traços orientais.

  • Uso de cores vibrantes (vermelho e azul).

  • Motivos de dragões e pagodes.

  • Uma atmosfera íntima e opulenta.

Igreja com detalhes em Pedrão Sabão, faixada externa de igreja barroca em Sabará MG
Igreja com detalhes em Pedrão Sabão, faixada externa de igreja barroca em Sabará MG

Sabará/MG - Foto: Igor Souza

O que Aleijadinho fez na Igreja do Carmo?

Se a Igreja do Ó é o segredo barroco, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo (cuja construção iniciou em 1763) é a afirmação do Rococó mineiro, e aqui Sabará guarda outra joia: a mão documentada de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A igreja, que pertenceu à rica irmandade dos brancos, é uma das obras mais elegantes da cidade, e a participação do mestre é evidente e crucial para a estrutura.

Aleijadinho foi responsável por elementos esculturais que definem a fachada e o interior. É dele a imponente portada em pedra-sabão, com o brasão do Carmo e anjos. Mas é no interior que sua genialidade se destaca: os dois púlpitos laterais, apoiados sobre cabeças de leão, são de sua autoria, assim como as colunas atlantes (figuras masculinas que sustentam) que seguram o coro, demonstrando sua maestria na anatomia e na expressão.

Vista externa da Capela de Nossa Senhora do Ó, com cores vermelho e branco, céu azul em Sabará MG
Vista externa da Capela de Nossa Senhora do Ó, com cores vermelho e branco, céu azul em Sabará MG
Vista interna da Capela de Nossa Senhora do Ó, com detalhes em Ouro no altar em Sabará MG
Vista interna da Capela de Nossa Senhora do Ó, com detalhes em Ouro no altar em Sabará MG

Capela de Nossa Senhora do Ó/MG - Fotos: Igor Souza

Por que a Casa da Ópera de Sabará é tão importante?

Ouro Preto tem o teatro mais antigo em funcionamento contínuo, mas Sabará tem o seu, igualmente histórico e com um charme que rivaliza. A Casa da Ópera de Sabará, hoje Teatro Municipal, é uma relíquia. Construído por volta de 1770, em plena "decadência" do ouro, é um exemplo da sofisticação cultural que a vila mantinha. Pequeno, em estilo elisabetano, com formato de ferradura e camarotes simples, o teatro é uma maravilha acústica.

Sua importância é monumental. O teatro recebeu a realeza brasileira, sendo palco de apresentações para Dom Pedro I e Dom Pedro II em suas visitas a Minas Gerais. Entrar ali hoje é sentir o peso dessa história. É um espaço que transpira arte e que, diferente de um museu, ainda cumpre sua função original, recebendo peças e concertos, mantendo-se vivo e funcional.

O patrimônio vivo além das pedras

O encanto discreto de Sabará em Minas Gerais não está apenas no século XVIII. A cidade pulsa com uma cultura gastronômica que se tornou patrimônio. Sabará é, indiscutivelmente, a "Terra da Jabuticaba". Durante o festival anual, a cidade se transforma, e a fruta é a base de tudo: licores, vinhos, geleias, molhos e sobremesas, atraindo milhares de visitantes.

Além da fruta, Sabará é o berço de um dos pilares da culinária mineira: o ora-pro-nóbis. A planta, que cresce abundantemente nos quintais, é a base do prato mais famoso da cidade, o frango com ora-pro-nóbis, servido nos restaurantes do distrito histórico de Pompéu. Saborear esses pratos é entender que a cultura de Sabará é algo que se prova, e não apenas que se fotografa.

A cidade oferece experiências autênticas que o turismo de massa não vê:

  • Provar o ora-pro-nóbis em Pompéu.

  • Visitar as ruínas da Igreja do Rosário dos Pretos.

  • Conhecer o Chafariz do Kaquende (1757).

  • Andar pela Rua Dom Pedro II (antiga Rua Direita).

  • Participar da Festa da Jabuticaba.

+ Leia também: Por que tanta gente está viajando para essa capital Brasileira?

O prêmio do viajante atento

Ouro Preto exige reverência; Tiradentes exige uma certa "mise-en-scène". Sabará, por sua vez, não exige nada além de curiosidade. Seu encanto não é óbvio, não está curado em uma bolha turística. Ele está misturado ao dia a dia, nas portas de um teatro secular que passa despercebido, ou na capela singela que esconde um tesouro oriental.

A grande lição de Sabará em Minas Gerais é que o patrimônio mais valioso nem sempre é o mais visitado. A cidade é o prêmio do viajante que busca mais fundo, que decide pernoitar e caminhar devagar, descobrindo que, muito perto da capital, existe um universo de arte e história que permanece surpreendentemente autêntico e pronto para ser redescoberto.

Sobre o autor:

Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.

Torres com detalhes de pedra sabão na Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Sabará MG
Torres com detalhes de pedra sabão na Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Sabará MG

Sabará/MG - Foto: Igor Souza

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