O encanto discreto de Sabará que o turismo de massa ainda não descobriu
Descubra Sabará, MG. A poucos km de BH, a cidade esconde a opulenta Igreja do Ó e um teatro do séc. XVIII que o turismo de massa ainda não viu
A apenas 20 quilômetros da capital, a proximidade com Belo Horizonte é, paradoxalmente, o que faz com que a maioria dos viajantes pense que conhece Sabará. Mas esta, uma das três vilas fundadoras de Minas Gerais, esconde em suas ruas íngremes e no seu cotidiano agitado um conjunto de tesouros artísticos tão raros que chegam a ser únicos no Brasil. Enquanto Ouro Preto se tornou um monumento mundial e Tiradentes um destino boutique, Sabará permaneceu uma cidade viva, cujo encanto discreto guarda segredos que o turismo apressado ainda não descobriu.
A singularidade da Igreja de Nossa Senhora do Ó e sua arte oriental.
A história da Casa da Ópera, um dos teatros mais antigos das Américas.
O poder histórico da antiga Vila Real, uma das "três grandes" de Minas.
Por que Sabará é frequentemente subestimada?
A primeira razão é a sombra da metrópole. Por estar dentro do "Grande Colar Metropolitano" de Belo Horizonte, Sabará é muitas vezes vista como um passeio de "bate-volta", um destino para uma tarde de domingo. Os visitantes passam, tiram fotos na Matriz, comem no centro e vão embora, sem pernoitar e sem mergulhar nas camadas mais profundas que a cidade oferece. A falta de um "centro histórico" perfeitamente isolado do trânsito moderno, como em Ouro Preto, confunde o turista que busca um cenário.
A segunda razão é a comparação. Sabará não é um museu a céu aberto; é uma cidade funcional, com seus desafios urbanos, comércio intenso e uma vida que não gira exclusivamente em torno do turismo. No entanto, é exatamente essa falta de "maquiagem" que constitui seu charme. O ouro de Sabará não está apenas nos altares, mas na descoberta de suas igrejas escondidas e na sensação de estar em um lugar autêntico, que não se curvou totalmente à lógica do turismo de massa.
O pilar esquecido do Ciclo do Ouro
O que poucos lembram é que Sabará não foi coadjuvante; foi protagonista. Fundada nas margens do Rio das Velhas, um dos rios mais auríferos do Brasil, a "Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabarabuçu" (1711) foi uma das três primeiras e mais poderosas vilas da capitania, ao lado de Vila Rica (Ouro Preto) e Mariana. Ela era um centro administrativo colossal, com sua própria Casa de Intendência e Fundição, para onde escoava todo o ouro de uma vasta região.
Essa riqueza desenfreada financiou uma sociedade complexa e estratificada, que buscava demonstrar seu poder e sua fé através da arte. As igrejas de Sabará, portanto, não são apenas capelas de arraial; são documentos históricos do auge de um poder que rivalizava diretamente com o de Vila Rica. Caminhar por Sabará em Minas Gerais é pisar no epicentro de onde a riqueza que mudou Portugal e o Brasil foi extraída.
Onde se esconde a arte mais singular de Sabará?
Se há um segredo que o turismo de massa ignora, ele se chama Igreja de Nossa Senhora do Ó. Por fora, é uma capela branca e simples, com a fachada de madeira e pedra-sabão. Por dentro, é uma explosão de opulência que não se parece com nada em Ouro Preto. Construída por volta de 1717, ela não representa o Barroco Mineiro que Aleijadinho consagraria décadas depois, mas sim o Barroco Joanino, em seu estilo mais puro e raro, com uma influência oriental (Chinoiserie) que a torna única.
O interior é um pequeno caixão de joias. O ouro abundante é usado em talhas riquíssimas, mas o que choca são os painéis laterais. Pintados em azul, vermelho e dourado, eles trazem figuras, pagodes, pássaros e anjos com traços visivelmente asiáticos. É uma representação direta da rota comercial portuguesa que ligava o Brasil a Macau. Estar dentro da Igreja do Ó é testemunhar uma conexão global do século XVIII, um nível de sofisticação artística que Sabará esconde em plena vista.
A singularidade da Igreja do Ó se revela em detalhes:
Ausência de colunas (estilo Joanino).
Forro em painéis hexagonais.
Figuras de anjos com traços orientais.
Uso de cores vibrantes (vermelho e azul).
Motivos de dragões e pagodes.
Uma atmosfera íntima e opulenta.


Sabará/MG - Foto: Igor Souza
O que Aleijadinho fez na Igreja do Carmo?
Se a Igreja do Ó é o segredo barroco, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo (cuja construção iniciou em 1763) é a afirmação do Rococó mineiro, e aqui Sabará guarda outra joia: a mão documentada de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A igreja, que pertenceu à rica irmandade dos brancos, é uma das obras mais elegantes da cidade, e a participação do mestre é evidente e crucial para a estrutura.
Aleijadinho foi responsável por elementos esculturais que definem a fachada e o interior. É dele a imponente portada em pedra-sabão, com o brasão do Carmo e anjos. Mas é no interior que sua genialidade se destaca: os dois púlpitos laterais, apoiados sobre cabeças de leão, são de sua autoria, assim como as colunas atlantes (figuras masculinas que sustentam) que seguram o coro, demonstrando sua maestria na anatomia e na expressão.




Capela de Nossa Senhora do Ó/MG - Fotos: Igor Souza
Por que a Casa da Ópera de Sabará é tão importante?
Ouro Preto tem o teatro mais antigo em funcionamento contínuo, mas Sabará tem o seu, igualmente histórico e com um charme que rivaliza. A Casa da Ópera de Sabará, hoje Teatro Municipal, é uma relíquia. Construído por volta de 1770, em plena "decadência" do ouro, é um exemplo da sofisticação cultural que a vila mantinha. Pequeno, em estilo elisabetano, com formato de ferradura e camarotes simples, o teatro é uma maravilha acústica.
Sua importância é monumental. O teatro recebeu a realeza brasileira, sendo palco de apresentações para Dom Pedro I e Dom Pedro II em suas visitas a Minas Gerais. Entrar ali hoje é sentir o peso dessa história. É um espaço que transpira arte e que, diferente de um museu, ainda cumpre sua função original, recebendo peças e concertos, mantendo-se vivo e funcional.
O patrimônio vivo além das pedras
O encanto discreto de Sabará em Minas Gerais não está apenas no século XVIII. A cidade pulsa com uma cultura gastronômica que se tornou patrimônio. Sabará é, indiscutivelmente, a "Terra da Jabuticaba". Durante o festival anual, a cidade se transforma, e a fruta é a base de tudo: licores, vinhos, geleias, molhos e sobremesas, atraindo milhares de visitantes.
Além da fruta, Sabará é o berço de um dos pilares da culinária mineira: o ora-pro-nóbis. A planta, que cresce abundantemente nos quintais, é a base do prato mais famoso da cidade, o frango com ora-pro-nóbis, servido nos restaurantes do distrito histórico de Pompéu. Saborear esses pratos é entender que a cultura de Sabará é algo que se prova, e não apenas que se fotografa.
A cidade oferece experiências autênticas que o turismo de massa não vê:
Provar o ora-pro-nóbis em Pompéu.
Visitar as ruínas da Igreja do Rosário dos Pretos.
Conhecer o Chafariz do Kaquende (1757).
Andar pela Rua Dom Pedro II (antiga Rua Direita).
Participar da Festa da Jabuticaba.
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O prêmio do viajante atento
Ouro Preto exige reverência; Tiradentes exige uma certa "mise-en-scène". Sabará, por sua vez, não exige nada além de curiosidade. Seu encanto não é óbvio, não está curado em uma bolha turística. Ele está misturado ao dia a dia, nas portas de um teatro secular que passa despercebido, ou na capela singela que esconde um tesouro oriental.
A grande lição de Sabará em Minas Gerais é que o patrimônio mais valioso nem sempre é o mais visitado. A cidade é o prêmio do viajante que busca mais fundo, que decide pernoitar e caminhar devagar, descobrindo que, muito perto da capital, existe um universo de arte e história que permanece surpreendentemente autêntico e pronto para ser redescoberto.
Sobre o autor:
Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.


Sabará/MG - Foto: Igor Souza


