Por que Ouro Preto esconde um tesouro histórico que você ainda não viu?

Relíquias do período colonial, fé popular e saberes tradicionais chamam atenção de estudiosos em Amarantina. Conheça esse distrito de Ouro Preto

Escrito por:
Igor Souza

Publicado em:
08/09/2025

Nas entranhas de Minas Gerais, aninhada entre colinas suaves e a serenidade da natureza, existe uma vila que sussurra histórias em vez de gritá-las. Amarantina, um distrito de Ouro Preto, é um lugar onde o tempo parece seguir um ritmo próprio, mais lento e reflexivo. A cerca de 25 km da famosa cidade histórica, este refúgio convida a uma viagem no tempo, não por meio de monumentos grandiosos.

  • Uma vila que respira história, longe do turismo de massa.

  • O artesanato em pedra-sabão e a fé como patrimônio vivo da comunidade.

  • Um local de pesquisa para historiadores e estudiosos da cultura mineira.

Qual o encanto de Amarantina, que não está nos guias turísticos?

O encanto de Amarantina reside justamente em sua discrição. Enquanto a BR-356, que liga Belo Horizonte a Ouro Preto, carrega um fluxo intenso de veículos, a entrada para esta vila é tão sutil que muitos motoristas nem a notam. A discrição, no entanto, é seu maior trunfo, pois permitiu à comunidade manter tradições e hábitos que seriam facilmente perdidos em grandes centros.

Essa simplicidade, quase um isolamento, é o que garante a autenticidade da vila. Ela não busca se impor ao visitante, mas sim se revelar, pacientemente, a quem decide explorar seus caminhos mais tranquilos. É um lugar para quem entende que a verdadeira beleza reside naquilo que não é óbvio, no silêncio que se impõe à paisagem e na serenidade que acolhe o visitante.

Como a Igreja Matriz de São Gonçalo moldou o território?

No coração da vila, a Igreja Matriz de São Gonçalo é o ponto de encontro da comunidade e o guardião da fé que moldou o território. Diferente dos templos dourados de Ouro Preto, a matriz de Amarantina revela a beleza da simplicidade, com sua arquitetura que testemunha a religiosidade popular, manifestada na devoção diária, não na ostentação.

A igreja é um farol para os moradores, onde celebrações religiosas ainda pontuam o calendário e reforçam a união de um povo que vive sua espiritualidade de forma próxima e comunitária. É um espaço sagrado que mantém, com detalhes discretos, a memória do período colonial e a força de uma fé que resiste ao tempo e às transformações que a modernidade impõe.

A cultura de Amarantina no dia a dia.

A cultura de Amarantina não é encontrada em cartazes ou guias de turismo. Ela pulsa no dia a dia, nas pequenas ações que são transmitidas de geração em geração. É o sabor da quitanda feita em casa, o cuidado com a horta no quintal e a paciência para o artesanato. Longe de grandes eventos, a vida cultural é forjada nos encontros informais entre vizinhos e na preservação de ofícios.

O que atrai pesquisadores e interessados é exatamente a forma como o distrito preserva saberes e um tecido social coeso. As relações de troca nas varandas e a transmissão de saberes fazem parte de uma cultura que não está em vitrines, mas vive nas pessoas e em suas interações. A vila é um exemplo vivo de como o patrimônio imaterial se manifesta no modo de viver.

Por que os artesãos da pedra-sabão são um patrimônio à parte?

A arte em pedra-sabão em Amarantina revela uma história de ancestralidade e ofício. Enquanto em Ouro Preto a matéria-prima foi transformada em obras sacras e peças de ornamentação, por aqui, a pedra se tornou um instrumento para o cotidiano. Artesãos talentosos e pacientes moldam panelas, fogareiros, gamelas e outros utensílios, mantendo uma tradição que remonta aos tempos coloniais.

O ofício, geralmente passado de pai para filho, é um exemplo fascinante de como a cultura material de uma região se adapta e se perpetua. Para estudiosos e curiosos, as oficinas caseiras da vila são verdadeiros laboratórios onde a história e a arte se misturam, revelando:

  • A técnica artesanal milenar, transmitida oralmente e na prática.

  • A produção de peças utilitárias, que dialogam com a culinária e o modo de viver mineiro.

  • A relação entre a matéria-prima local e a identidade cultural da comunidade.

A paisagem que molda o território.

A paisagem de Amarantina é parte intrínseca de seu patrimônio. Rodeada por morros de topografia suave e trechos de Mata Atlântica secundária, a vila se aninha em um cenário que contribui diretamente para a sua preservação. O isolamento parcial da BR-356, somado à natureza que a cerca, ajudou a manter costumes e estruturas arquitetônicas em seu estado original.

O ambiente natural não apenas serviu de barreira física, mas também influenciou a vida local, com a presença de pequenos cursos d'água e trilhas que conectam a comunidade a outras localidades históricas. Amarantina é, nesse sentido, um exemplo de ocupação humana que se integrou ao meio ambiente de forma orgânica, sem as rupturas drásticas que marcaram outros centros urbanos.

Por que os distritos históricos merecem mais atenção?

O interesse acadêmico em Amarantina reflete a necessidade de valorizar os distritos e vilas menores que, por muito tempo, foram ofuscados pelas cidades-sede. Esses pequenos núcleos urbanos são peças fundamentais para completar o quebra-cabeça da história mineira. No caso de Amarantina, a ausência de grandes intervenções permite uma leitura mais fiel de como as comunidades se organizaram ao longo do tempo.

Estudar a vila é, portanto, uma forma de dar voz a essas localidades, garantindo que suas memórias não sejam esquecidas e que a riqueza cultural e histórica que elas guardam seja devidamente reconhecida e preservada. A atenção a esses lugares é um ato de resgate e valorização de um patrimônio muitas vezes negligenciado, que inclui:

  • Histórias de comunidades rurais e suas práticas únicas.

  • Manifestações artísticas e religiosas que não estão nos centros urbanos.

  • Saberes e ofícios passados de geração em geração, longe dos holofotes.

Existe uma lição na invisibilidade turística de Amarantina?

Apesar de sua riqueza cultural e histórica, Amarantina ainda é pouco conhecida. O acesso é simples, com entrada pela BR-356, e o trajeto pode ser feito facilmente a partir de Ouro Preto ou Itabirito. Mesmo assim, a vila permanece fora dos circuitos mais visitados, o que contribui para sua preservação, mas também limita investimentos em infraestrutura e divulgação.

Essa curiosa dualidade é um tema de reflexão para urbanistas e pesquisadores do turismo. A falta de um fluxo de visitantes contribui para a preservação de sua autenticidade, mas também limita seu desenvolvimento. O distrito vive em um equilíbrio delicado, onde a sua "invisibilidade" protege sua essência, mas a mantém à margem de um possível crescimento.

O cotidiano que nos ensina a sabedoria.

A vila nos ensina que a cultura vive na sabedoria da medicina caseira, no respeito aos ciclos da natureza e na força da união comunitária. Visitar Amarantina é um exercício de observação. É perceber que o patrimônio mais valioso não está em fachadas suntuosas ou em museus, mas na forma como as pessoas interagem com o mundo.

Os saberes cotidianos – desde o preparo de um prato tradicional até a manutenção de uma horta – revelam uma riqueza antropológica inestimável. A vila nos convida a repensar nossos valores, mostrando que a vida simples, conectada à terra e às pessoas, é, na verdade, a mais rica das existências.

+ Leia também: Mais que uma viagem, conheça 6 vivências que só Minas consegue proporcionar

Onde a história ainda pulsa, no compasso do dia a dia.

Amarantina é mais do que uma vila; é um fragmento de história preservado no tempo. Longe dos holofotes, ela nos mostra que a verdadeira riqueza de Minas não reside apenas em suas igrejas douradas ou em suas paisagens cinematográficas, mas na resiliência e na autenticidade de seu povo. É um lugar para quem se cansa do óbvio e busca a essência das coisas.

Quem visita Amarantina com o coração aberto e os olhos atentos não encontra apenas monumentos, mas pessoas que guardam em suas práticas diárias a memória de um passado vivo. A vila é um lembrete de que o patrimônio mais duradouro é aquele que vive em nós, em nossos costumes e na terra que nos acolhe. E é por essa razão que esse pequeno e discreto distrito de Ouro Preto merece ser conhecido

Sobre o autor:

Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.

Igreja historica no centro turistico de Amarantina, distrito de Ouro Preto
Igreja historica no centro turistico de Amarantina, distrito de Ouro Preto

Amarantina/MG - Foto: Igor Souza

Posts que você pode gostar