Revelações inéditas sobre o santuário mais simbólico de Diamantina
A Catedral de Diamantina esconde um segredo sob sua grandiosidade: a história de um templo barroco demolido. Conheça as revelações por trás deste ícone mineiro
Imponente no coração de Diamantina, a Catedral Metropolitana de Santo Antônio da Sé domina a paisagem com suas torres e um estilo arquitetônico que a distingue de todo o seu entorno colonial. O que muitos visitantes não sabem, contudo, é que sua construção no século XX foi um dos atos mais controversos da história da cidade, envolvendo a demolição de um tesouro barroco e a criação de um monumento que, até hoje, conta uma história fascinante de progresso, perda e identidade.
A história oculta da antiga Matriz barroca do século XVIII, que foi demolida.
Os tesouros artísticos que foram salvos e realocados no templo atual.
O significado por trás de sua arquitetura, um ponto fora da curva no centro histórico.
Por que a Catedral de Diamantina é tão diferente do resto da cidade?
Quem caminha pelo centro histórico de Diamantina, um Patrimônio Cultural da Humanidade, imerge em um cenário dominado por casarões coloniais e igrejas barrocas. No entanto, ao chegar à praça principal, depara-se com a Igreja Matriz da Sé de Diamantina, uma construção de linhas ecléticas, com fortes inspirações neogóticas. Essa ruptura estilística não foi um acaso, mas um projeto deliberado do início do século XX, movido por uma série de fatores que refletiam as aspirações da época.
A decisão de construir um novo templo, liderada pelo arcebispo Dom Joaquim Silvério de Souza, representava um ideal de modernidade e grandeza. A ideia era substituir a antiga igreja por uma catedral monumental que simbolizasse a força da arquidiocese recém-elevada. Os argumentos para a controversa decisão se baseavam em múltiplos pontos, tanto práticos quanto simbólicos:
Necessidade de Espaço: A antiga matriz era considerada acanhada para a crescente população e para a importância que Diamantina havia adquirido como sede de uma arquidiocese.
Problemas Estruturais: Laudos da época apontavam para a deterioração da estrutura de madeira do templo barroco, sendo sua demolição justificada como uma medida de segurança.
Ideal de Modernidade: Havia um forte desejo de romper com a estética colonial, vista por alguns como ultrapassada, e alinhar Diamantina aos grandes centros urbanos, que se inspiravam na arquitetura europeia.
Símbolo de Poder: Erguer uma catedral grandiosa era uma forma de afirmar o poder e o prestígio da Igreja Católica na região, marcando o início de uma nova era.
A história que foi demolida: a Antiga Sé de Santo Antônio
Antes da atual catedral, existia no mesmo local a Antiga Matriz de Santo Antônio, um exemplar significativo do barroco mineiro, cuja construção se estendeu pela segunda metade do século XVIII. Era um templo que dialogava perfeitamente com a identidade arquitetônica do antigo Arraial do Tijuco, com sua estrutura em madeira, altares dourados e uma riqueza artística que refletia o apogeu da extração de diamantes.
A decisão de demoli-la, concretizada por volta de 1932, gerou uma imensa polêmica e é lamentada até hoje por historiadores. Enquanto a arquidiocese argumentava sobre a necessidade de um espaço maior e mais seguro, parte da elite intelectual via o ato como uma perda irreparável da memória e da arte colonial. Imagine a cena: no coração de uma das cidades históricas mais importantes do Brasil, um monumento barroco sendo posto abaixo, criando uma cicatriz cultural que o tempo não apagou.


Diamantina/MG - Foto: Igor Souza




Igreja Matriz de Diamantina/MG - Fotos: Igor Souza
O que foi salvo do antigo templo barroco?
Felizmente, a demolição da antiga igreja não significou a perda total de seu acervo. Graças a esforços de preservação, peças de valor inestimável foram resgatadas e cuidadosamente incorporadas à nova estrutura, funcionando hoje como elos tangíveis entre o presente e o passado apagado. Ao visitar a Igreja Matriz da Sé de Diamantina, um olhar atento permite identificar esses tesouros barrocos.
Eles contrastam sutilmente com a grandiosidade neogótica do ambiente e são a prova de que, mesmo em meio à ruptura, a memória insistiu em permanecer. As peças salvas são testemunhas silenciosas da riqueza do templo original, e sua presença na nova catedral é um convite à descoberta. Dentre os principais elementos resgatados, destacam-se:
Dois Altares Laterais: Executados no mais puro estilo barroco joanino, com talha dourada e detalhes exuberantes, foram reinstalados nas laterais da nave principal.
Os Púlpitos: As tribunas de madeira entalhada de onde eram proferidos os sermões, exemplos da habilidade dos artesãos do período colonial, também foram preservadas.
Imaginária Sacra: Parte do acervo de imagens setecentistas, incluindo santos e outras figuras religiosas, foi igualmente resguardada e pode ser vista no interior.
A Pia Batismal: A antiga pia em pedra-sabão, onde gerações de diamantinenses foram batizados, também foi transferida para o novo templo.
Quais outros tesouros a catedral atual guarda?
Além das relíquias barrocas, a nova catedral, consagrada em 1940, desenvolveu seus próprios tesouros e características que a tornam um espaço único. Seu interior amplo, com uma nave central imponente e vitrais coloridos que filtram a luz natural, cria uma atmosfera de introspecção e grandiosidade. A acústica do local, planejada com esmero, é outro ponto de destaque, tornando as celebrações e concertos eventos de grande impacto.
O maior tesouro musical do santuário é seu órgão de tubos, encomendado da firma alemã Walker & Cie. e instalado na década de 1950. É um instrumento de grande porte e sonoridade refinada, considerado um dos mais importantes de Minas Gerais. Ouvir suas notas ressoando pela nave é uma experiência que conecta o visitante à vocação musical de Diamantina. Além dele, outras peças de arte enriquecem o ambiente:
As Pinturas da Capela-Mor: O teto e as paredes do altar principal são adornados com pinturas que representam cenas da vida de Santo Antônio, o padroeiro, executadas por artistas do século XX.
O Conjunto de Vitrais: Importados da Europa, os vitrais não são apenas decorativos; eles narram passagens bíblicas através de suas cores e formas, criando um belo efeito luminoso no interior.
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O Legado Complexo da Catedral de Diamantina
A Igreja Matriz da Sé de Diamantina não é apenas um templo religioso; é um documento vivo das tensões e transformações da história brasileira. Ela representa o conflito entre a preservação da memória colonial e o desejo de modernização que marcou o início do século XX. Sua existência nos obriga a refletir sobre o que escolhemos preservar e o que decidimos demolir em nome do progresso.
Para o diamantinense, a catedral é um marco de orgulho e um centro vital da vida comunitária. Para o turista, é uma fascinante aula de história contada em pedra, madeira e ouro, revelando as camadas de tempo que formam a identidade de Diamantina. É um lugar onde o passado e o presente não apenas coexistem, mas dialogam de forma intensa e, por vezes, conflituosa.
Ao finalizar sua visita a Diamantina, reserve um tempo generoso para a Catedral. Não a veja apenas como um imponente cartão-postal, mas como um livro de histórias à espera de ser lido. Procure pelos altares barrocos, admire a grandiosidade do novo projeto, e se tiver a sorte de ouvir o som do órgão, permita-se refletir. Você descobrirá que, em suas paredes, ecoa muito mais do que orações: ecoa a própria alma de uma das cidades mais singulares do Brasil.
Sobre o autor:
Igor Souza é criador do Olhares por Minas, fotógrafo e especialista em turismo mineiro. Viaja por cidades históricas, cachoeiras e vilarejos, buscando contar as histórias que Minas tem a oferecer. Saiba mais sobre o autor clicando aqui.


